quarta-feira, 20 de março de 2013

O discurso homofóbico na publicidade brasileira



     A publicidade reflete os discursos correntes na sociedade, mas, por outro lado, também reforça ou até cria padrões de comportamento. Os enunciados desenvolvidos por profissionais da área para atingir o público desejado acabam perpetuando e/ou reproduzindo preconceitos. A monografia de conclusão do curso de Publicidade de Leopoldo Duarte buscou analisar uma das problemáticas decorrentes dessa prática, a homofobia. Leopoldo resgata em seu trabalho a criação de estereótipos relacionados à figura masculina, para investigar os fundamentos do preconceito homofóbico e a forma como ele se mostra nos anúncios publicitários audiovisuais.


       “A partir do momento em que entra o cristianismo em determinada civilização, a rejeição aos homossexuais tem início, para dar um exemplo. Qualquer coisa relacionada à religião instiga ainda mais o preconceito. A sociedade é muito firmada nesses conceitos judaico-cristãos”, afirma Leopoldo ao analisar o surgimento da discriminação e de como ela se manifesta ainda hoje.

     Como reforça a orientadora do trabalho, Geisa Rodrigues, professora do curso de Publicidade do Departamento de Comunicação Social da UFF, o papel da mídia em relação à representação das minorias sempre foi um tema delicado. Os homossexuais, por fazerem parte de uma minoria, pelo menos publicamente, e pela suposta necessidade da Publicidade de atingir o maior número de pessoas, costumam ser ignorados ou então utilizados, nos casos das peças publicitárias de humor, como muleta para efeitos cômicos.

     "Seria o caso de os publicitários, jornalistas e demais profissionais de Comunicação falarem menos do seu trabalho como reprodução ou representação de uma realidade, mas como processo em que a realidade é produzida o tempo inteiro. O que me incomoda hoje, tanto em relação à questão das piadas politicamente incorretas quanto às construções de gênero pautadas na desigualdade, é a justificativa de alguns publicitários quando são julgados. A ideia de que 'apenas estão representando a realidade', ou de que só usam essas imagens porque 'reproduzem as relações e geram identificação' é a pior justificativa que pode ser dada por um profissional", declara Geisa.

     A professora destaca que não se trata de defender o "politicamente correto", que às vezes pode soar hipócrita, mas de respeitar o bom gosto e a própria concepção do espectador. "Há os que digam que o humor não combina com cartilhas do 'politicamente correto' e, em parte ,até concordo. Mas a verdade é que é mais fácil trabalhar com piadas prontas, ainda que reforcem diversas categorias de desigualdade, do que procurar formatos que contornem de forma inteligente a responsabilidade da mídia para com o 'politicamente correto'".

     Um dos problemas apontados por Leopoldo em sua monografia, inclusive, é o fato de a mídia brasileira colocar a homossexualidade como opção e, entre outras coisas, escolher o caminho mais fácil – do discurso já estabelecido – para atingir seus objetivos. “As pessoas acham que alguém teve em determinado momento a opção de escolher entre ser gay ou não. A mídia não debate a sexualidade, ela não põe em questão que a pessoa pode gostar do que ela quiser, fazer o que ela quiser. A maneira mais simples é você não debater, propagando o que todo mundo já pensa”, comenta Leopoldo.

Construção de estereótipos 

     Durante a pesquisa, Leopoldo lidou com anúncios de mensagem preconceituosa mais explícita e outras mais cômicas que nem chegaram a chamar a atenção da sociedade, mas que eram extremamente preconceituosas. Um exemplo é um comercial de carro, em que pai e filho estão no veículo e este pergunta se pode descer um pouco antes da escola, para que os amigos não vejam que ele pegou carona com o progenitor. "Nisso, o pai fala, 'você surfa? Toca guitarra? Já pegou uma menina?', esse é o ideal de um filho para esse pai, que não questiona se ele anda de skate ou se gosta de meninos".


     Há um certo pudor, acredita Geisa, por conta de campanhas governamentais e de outras medidas tomadas nos últimos anos, em relação à intolerância aos homossexuais. Ainda assim, é possível encontrar discursos sexistas e racistas velados. A mudança dependeria, portanto, não apenas do senso de responsabilidade dos profissionais, mas de uma formação crítica dos mesmos. "E aí acho que entra o papel da academia – e de um olhar menos estereotipado sobre os próprios consumidores", salienta.

     Leopoldo argumenta sobre a ligação da propaganda ao status, para explicar a predominância desse comportamento segregador. "Para você se sentir bem com você mesmo, geralmente você tem que estar melhor do que alguém (daí a marginalização das minorias). Falta pensamento crítico dos publicitários. Acho que a maioria não tem noção que as imagens perpetuam estereótipos. Tem propagandas, tipo a do Doritos, em que o cara está cantando YMCA quando chega o narrador e fala 'Quer dividir alguma coisa com os amigos, divide um doritos!'. A mensagem é: você é gay? guarde essa informação com você, repreenda".

     A publicidade conta com exemplos positivos, no entanto. Leopoldo lembra de uma peça desenvolvida por um órgão de Portugal, que trazia duas senhoras tricotando quando passa um casal gay de mãos dadas. "Uma vira para a outra e fala 'ah, que disparate, neste frio usando camiseta'. É simples e é engraçado. Tem outra propaganda, de carro, com uma mulher cinquentona com um cara do lado e aí você acha que é o amante dela. Ela passa por um carro e fala com um senhor de meia idade, que você supõe que seja o marido dela. Eles dizem algo como 'nos encontramos lá em casa', e, depois, ao lado do marido, aparece um cara. Então você supõe que ele tem um amante também, e isso foi um comercial de carro", conta Leopoldo, ressaltando a possibilidade de desenvolver propagandas que não sejam homofóbicas.

Origens da pesquisa

     A motivação para a pesquisa surgiu quando Leopoldo cursava uma disciplina eletiva do curso Estudos de Mídia, também na UFF, e desenvolveu um trabalho final sobre a abordagem homossexual na propaganda. Na ocasião, ele analisou peças publicitárias estrangeiras, que, em geral, têm um discurso menos preconceituoso. Leopoldo dá o exemplo de um propaganda de roupas, veiculada da Suíça, que oferecia finais alternativos, um para casais heterossexuais e outro para casais homossexuais.

     "O padrão de beleza feminino é muito fluido, ao longo da história. Já o masculino sempre foi algo ligado ao mais rígido, austero, forte, imponente, mais jovem. Eu fui tentar entender como a propaganda servia de aparelho ideológico do Estado, e ao mesmo tempo era a coisa mais onipresente na vida de qualquer ser humano, hoje em dia. Busquei querer entender como a propaganda perpetua ou influencia a questão da sexualidade. Quando eu fiz o trabalho para essa disciplina, pensei em fazer uma coisa mais ampla no final da faculdade", conta.

     Na monografia, Leopoldo analisou apenas propagandas brasileiras. "Tinha uma que era o cara fazendo caminhada atlética na rua. Você meio que anda rebolando na caminhada atlética. Então chega um cara, um ex-lutador de luta livre famoso, e fica sacaneando aquele jeito de andar, que é afeminado e tal, que ele não deveria fazer isso. Acho que ele chega a falar que isso não é coisa de homem. Ser masculino não é gostar de mulher, é agir como homem. Para você agir como homem você tem que se espelhar em outros homens, você tem que passar um bom tempo percebendo outros homens para tentar imitar. Você tem que se munir das roupas, do cenário, do jeito de falar, do jeito de andar, para se transformar diante das pessoas. Eu sou homem, então eu tenho que usar calça, não posso usar saia, eu tenho que usar sapato. Se tiver qualquer coisa fora disso, a pessoa já fala 'Nossa.. que isso?'".


Por Pamela Mascarenhas

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