sexta-feira, 19 de julho de 2013

Protestos 2.0: o papel das mídias sociais nas manifestações de junho

O Brasil testemunhou milhares de pessoas tomarem as ruas de grandes centros urbanos contra o aumento das passagens do transporte público. Um fator determinante na rápida mobilização foram as mídias sociais. Conversamos com a professora Geisa Rodrigues, do Departamento de Comunicação Social da UFF, sobre o papel desempenhado pela internet nas manifestações.

Alexandre Garcia

O Brasil testemunhou, nos meses de maio e junho de 2013, milhares de pessoas tomarem as ruas de grandes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, protestando pelo aumento das passagens do transporte público. Um fator determinante na rápida mobilização dos brasileiros durante os protestos foram as mídias sociais. O site do jornal Folha de S. Paulo viu a quantidade de acessos oriundos do Facebook mais do que dobrar nos dias de manifestação, resultado do intenso compartilhamento de notícias para desmentir ou alimentar a crítica dos manifestantes.

Protesto saiu da rede e ganhou as ruas
Telefones da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foram divulgados no Twitter e receitas caseiras para diminuir o efeito do gás lacrimogêneo compartilhadas no Facebook. Posts assim pipocavam o tempo todo nas redes sociais, e manifestantes podiam acessar a tudo isso, em tempo real, nos seus smartphones. Estaríamos caminhando para o “Protesto 2.0”? Conversamos com a professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense Geisa Rodrigues sobre o papel desempenhado pelas mídias sociais nas manifestações.

Comuffaz: Por bastante tempo o chamado "ativismo do sofá" foi criticado por não se traduzir em mudanças concretas em relação às reivindicações. Após a onda de manifestações, como você encara o papel dos “sofá-ativistas”?

Geisa Rodrigues: Acho difícil separarmos hoje o que alguns pejorativamente chamam de "sofá-ativistas" do ativismo que está indo às ruas. Para o bem e para o mal, as subjetividades hoje são atravessadas pelo virtual (permeado pelas novas tecnologias e pelas redes sociais) e pelo real, e é difícil separarmos essas duas instâncias, como oposições. E o que acho mais engraçado é que as principais motivações das manifestações foram as tarifas de transportes e a baixa qualidade desses serviços. Ou seja, é a questão da mobilidade urbana, da nossa circulação no espaço público, nas ruas. 

Comuffaz: Durante as manifestações, as pessoas em casa podiam acompanhar os acontecimentos praticamente em tempo real, seja no Facebook, Twitter ou Instagram, o que pode ter sido vital no período em que os grandes noticiários ignoraram/menosprezaram o movimento. Você acredita que, em longo prazo, possa ocorrer  uma perda da credibilidade nos grandes meios em favor do conteúdo produzido por um amigo, parente ou pelo blogueiro em que você confia?

Geisa Rodrigues: Acho que já houve uma grande perda de credibilidade dos grandes meios, pelo menos entre os que estão ativamente se manifestando ou participando do processo. E não acho que os grandes noticiários ignoraram o movimento. Acho que havia uma clara intenção inicial de desmobilizar e reduzir o movimento. E a prova da perda de credibilidade desses meios foi a dimensão que o movimento ganhou, mesmo após todos os esforços nesse sentido. Mas não sei se o conteúdo pessoal sempre está isento da influência dos mesmos mecanismos que regem os interesses da grande mídia, ou mesmo outros. Se focarmos no tema "credibilidade" como foco central, deixamos de lado o caráter interpretativo da mensagem, venha ela de onde vier.  O que temos agora é a disponibilidade de diferentes pontos de vista, que antes não tinham capacidade de se multiplicar como hoje.

Comuffaz: As pessoas que não podiam se manifestar publicavam nas redes sociais informações úteis, como senhas de wi-fi de locais nas proximidades da manifestação, tutoriais de como agir caso seja parado pela polícia, números de telefone da OAB e informações, obtidas dos noticiários, de locais em que a polícia estaria agindo com violência. Você acha que esse é um novo modelo de protesto, fruto da conectividade da geração Y aliada à insatisfação com o modelo político vigente?

Geisa Rodrigues: Sim, sem dúvida. Como disse antes, as redes sociais e as novas tecnologias já não se separam mais das formas de protesto nas ruas.

Comuffaz: Você acredita que mesmo sem ferramentas como o Facebook e o Twitter, as manifestações teriam essa dimensão?

Geisa Rodrigues: Não sei. Já não consigo mais imaginar o mundo sem isso. Mas acho que a dimensão dos movimentos se deve não apenas a esses meios, mas, sobretudo, à dimensão do descontentamento. Isso não foi criado por essas "ferramentas", como você mesmo nomeia na pergunta, mas compartilhado por meio delas.

Comuffaz: As revoltas facilitadas por mídias sociais estão eclodindo em países como Egito, Síria, Líbano, tradicionalmente de política repressora. Você enxerga semelhanças entre as manifestações no Brasil (país "democrático") e as revoltas no Oriente Médio?

Geisa Rodrigues: Acho que as semelhanças estão na crise da representação política. De alguma forma, sofremos um formato de repressão e estamos reagindo a isso. Bastante diferente do que ocorre no Oriente Médio, sem dúvida. Mas é um tipo de repressão pautada na violência da imposição de uma lógica capitalista excludente. Não somos proibidos de escrever e publicar o que pensamos, mas grande parte da população não tem acesso a esses pensamentos quando não há interesse mercadológico na sua publicação, ou simplesmente quando não há educação de qualidade pra gerar interesse por isso. O mesmo se aplica ao exemplo bastante citado nas manifestações, que são os megaeventos esportivos. Sediamos uma copa do mundo, mas teremos estádios sem acesso da população com menos recursos. E no caso dos transportes públicos isso é ainda mais absurdo, porque não temos opção nenhuma. E isso não é repressão? E não podemos esquecer que uma população que não tem disponibilidade de ir e vir, dificilmente vai conseguir se deslocar para ter mais acesso a cultura, lazer, etc. Enfim, se não temos participação nas decisões que são tomadas nas instâncias de poder, principalmente quando elas acabam nos limitando intelectualmente, então vivemos uma espécie de Estado repressor, pautado nas coligações com os interesses do capital privado. A população está se ressentindo disso e está questionando os modelos de representação política, em que tem pouca ou nenhuma participação.

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