quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Auge e declínio de um gigante da imprensa



Iane Filgueiras remonta trajetória gráfica e editorial do histórico Jornal do Brasil, cuja versão impressa foi extinta em 2010


Por Adriano Araújo

Iane Filgueira e seu orientador Ildo Nascimento
Em meados de 2010, a então estudante de jornalismo Iane de Macedo Filgueiras já tinha definido o tema e o enfoque de sua monografia: uma análise da transformação do perfil do público do Jornal do Brasil no decorrer de sua história. Mas, como muitas pessoas direta ou indiretamente ligadas ao meio jornalístico, ela se surpreendeu quando o jornal anunciou o fim da sua versão impressa. O espanto não era exatamente com o comunicado, pois a decadência do veículo de brilhante trajetória no jornalismo brasileiro já era notória e a extinção de sua versão em papel, mais ou menos previsível. A surpresa de Iane se devia ao fato de que, junto com a notícia, veio também um enorme desejo de falar sobre o assunto. Pouco tempo depois, ela mudava completamente os rumos de seu trabalho de conclusão de curso.

“A minha idéia era mostrar que, com a decadência editorial do JB, houve decadência intelectual também do público. Para mim, o JB perdeu grande parte dos leitores muito antes de anunciar o fim da edição impressa. Mas como o Tanure (Nelson Tanure, proprietário do jornal) anunciou o fim do impresso, achei que era o momento de registrar a história, aproveitar enquanto a coisa ainda estava quente. Se isso fosse deixado para depois, se perderia muita coisa”, explicou ela, ao comentar a decisão de refazer o trabalho.

Decisão tomada, Iane abandonou a ideia inicial de produzir uma monografia com enfoque no público e dedicou-se a criar o primeiro registro da história do JB após a impressão do seu último exemplar, história que a, partir daquele momento, podia ter início, meio e fim. Surgia então o projeto “Jornal do Brasil, nascimento, ascensão e morte”, um almanaque em três volumes,  que recebeu nota máxima na disciplina de Projeto Experimental.

A mudança de rumo num prazo curto de tempo poderia parecer impensável para muitos orientandos, mas foi algo que Iane encarou com naturalidade e como parte do desafio da formação superior. “A produção do projeto experimental não é algo rígido. Há sempre margem para dúvidas quanto ao tratamento do tema e até mesmo para a total mudança dele”, explica a jornalista.

Fundado em 1891, o Jornal do Brasil foi um aliado na luta pela liberdade de imprensa e em prol da democracia e da cidadania em vários momentos históricos. Sua trajetória mistura-se com a própria história do Rio de Janeiro. Verdadeira escola de jornalismo, o periódico teve a colaboração de escritores renomados, como Joaquim Nabuco e Eça de Queirós.

O almanaque concebido por Iane remonta a história do jornal, “enfatizando as características e as mudanças gráficas e editoriais promovidas em cada época”, como a própria autora explica no memorial descritivo do seu projeto. O trabalho foi dividido em três capítulos, abordando, respectivamente, os primeiros anos do jornal, o período de inovações gráficas e crescente prestígio e, por fim, a fase de decadência financeira.

Os três volumes do almanaque Jornal do Brasil, nascimento, ascensão e morte

Trabalho coletivo

Ser admiradora do JB foi fator fundamental para que Iane mergulhasse no projeto. “Penso que, ao escolher o tema do seu projeto, você deve ter em mente que esse trabalho vai acompanhá-lo por quase seis meses ou até mais. Então é bom que seja algo numa área que você goste, um tema que seja interessante, porque depois de tanto tempo lendo e produzindo material sobre um mesmo assunto, se não for algo que cative, com certeza você vai se cansar antes de chegar ao fim”, explica.

Durante o processo, ela teve a colaboração de pessoas especiais na família, que contribuíram para fazer a diferença no resultado. Para montar o projeto, completamente artesanal, ela contou com o auxílio do seu pai, gráfico de profissão, que participou da concepção e execução da arte do almanaque, e da mãe, que também atuou no desenvolvimento e montagem de simpáticas sacolas de tecido com as capas do jornal em silk screen.

Mas, para Iane, seu maior suporte na monografia veio, sem dúvida, do seu orientador, o professor da UFF Ildo Nascimento, um designer gráfico apaixonado pela excelência técnica pioneira do Jornal do Brasil. Ela demonstra não ter tido dúvidas sobre a escolha do orientador para o seu projeto. “O orientador é o seu farol, um porto seguro. É ele quem diz se você está viajando demais ou se poderia fazer melhor. Se é preciso mais pesquisa ou se já é a hora de parar e produzir. Um bom orientador é a chave para um bom trabalho”, exalta Iane, com orgulho.

Para Ildo Nascimento, a recíproca parece ser verdadeira. O docente afirma que viu, na orientação do trabalho da aluna, a oportunidade de expressar, num trabalho acadêmico, toda a admiração que o meio jornalístico nutre pela trajetória única do veículo e, ao mesmo tempo, ter um registro histórico da excelência gráfica do jornal sob um prisma nunca visto: “O trabalho da Iane representou uma convergência de emoções: de sua parte, a ‘histórica’ admiração pelo JB como veículo de informação, inovação e, de tempos em tempos, de resistência ideológica; da minha, um indispensável registro do trajeto histórico do Jornal do Brasil por um ângulo inédito, o de sua apresentação gráfica”.

Apesar da união de dois apaixonados pelas artes gráficas num projeto sobre a história de um precursor nesse assunto, o processo de produção não foi simples. Segundo Iane, trabalho, muita dedicação e, principalmente, cooperação entre orientador e orientando foram essenciais para que tudo saísse como o planejado. “Os dois lados têm que trabalhar bem para que a coisa dê certo. Não adianta ter o melhor orientador do instituto se o aluno não estiver a fim de fazer sua parte”, explica.

Iane e os componentes da sua banca examinadora

Impasses e desafios

Saber encarar o inesperado é requisito para qualquer estudante durante o processo de produção de um projeto experimental. Com Iane não foi diferente. Uma das dificuldades foi reunir as últimas edições do jornal como fonte de consulta, pois não as encontrava nas bancas da cidade: “Mal chegavam e os poucos exemplares se esgotavam rapidamente. O súbito interesse do público surpreendeu jornaleiros que, em meses anteriores, não logravam vender uma só cópia”, descreveu a autora em seu memorial.

Iane recorda que, em vários momentos, achou que não conseguiria concluir o seu trabalho. “Sempre tem o momento de desespero em que você acha que não vai dar certo, não vai dar tempo, não vai ficar bom, não vai funcionar ou que devia ter começado antes, devia ter falado com aquela fonte, devia ter feito de outra forma. Você pensa: chega! Agora vou largar tudo de mão e entregar assim mesmo! É sempre assim. Então a gente chora, grita, reclama, se revolta e fica resignado, mas no fim dá tudo certo”.

Não é apenas com o inesperado que os alunos devem redobrar a atenção. O próprio conteúdo do trabalho de conclusão deve ter uma abordagem mais precisa e  embasada teoricamente. Segundo Ildo Nascimento, a reflexão deve ser prioridade sempre. Ele faz questão de lembrar que o trabalho final é o derradeiro compromisso do aluno com o curso, uma oportunidade única para realizar um trabalho crítico-reflexivo, mais ousado e menos previsível.

Apesar de ser amante da parte visual da comunicação, Ildo defende que o texto e a ilustração devem se complementar. No trabalho desenvolvido por Iane, ele afirma que a aluna atingiu um equilíbrio visual e informativo. “O projeto pressupõe pesquisa, texto, seleção e tratamento de imagens e paginação. É lamentável engano priorizar, no trabalho monográfico, o texto em detrimento da ilustração, assim como pensar a realização prática apenas como mão-de-obra”.

Outra etapa necessária é pautar o trabalho em pesquisas de campo, sempre que isso for possível. Iane não menosprezou a influência que o estudo empírico pode ter sobre os resultados do trabalho. Não foi à toa que ela consultou todas as fontes, de jornalistas na redação até ex-funcionários e participantes de eventos que tinham o JB como tema. “Visitei a redação e o arquivo. Estive presente em diversos eventos relacionados ao fim do JB. Num trabalho assim, isso é essencial. É claro que depende muito do que demanda o seu tema também. Mas o contato para o jornalista é algo primordial. Então é legal exercer isso no seu trabalho final também. Como fazer uma reportagem, sem ir até a fonte?”.

Consultar todas as fontes possíveis, fazer muita pesquisa, saber encarar o inesperado, escolher um tema do seu interesse, conhecê-lo bem, inclusive no ambiente real e, o mais importante, não ter medo de mudar e recomeçar do zero. Iane Filgueiras fez essas escolhas e encarou todas as situações imprevisíveis. No fim das contas, tudo deu certo e não foi só o diploma que ela conseguiu. Com ele, veio um conhecimento inédito sobre seu próprio tema de estudo e pesquisa. “A gente aprende muito durante a produção do projeto. O que a gente mais aprende é sobre o nosso objeto de trabalho. Afinal, passamos meses lendo e procurando material. Soube coisas da história do JB que eu não sabia e, é claro, isso alterou um pouco a visão que eu tinha de sua história”, avalia Iane.



Um comentário:

  1. Que tema interessante...Parabéns, Iane. E olha meu querido ex-professor Marco Schneider, que eu tanto admiro.

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